Espíritos que somos, criados por um Pai que é toda uma Sinfonia de Amor, há em nós uma Genética Divina, um Código Ético imerso no inconsciente, marca profunda e inexórável dessa filiação. O homem mais bárbaro e ainda cruel também possui esta ética embotada em si, porém um vir a ser, uma centelha que despertará ao longo de suas dolorosas experiências reencarnatórias. Assim como o homem que conseguiu compor esta bela obra, Arioso, a Cantata nº 156, Johann Sebastian Bach, expandiu de si mesmo a Centelha do Pai e expressou a Beleza em forma de Música, maravilhosas músicas. Não sem trabalho, não sem esforço, não sem muito cair e recomeçar, não sem muitas, muitas partidas e chegadas.
O Espírito Amélia Rodrigues1 , por meio da mediunidade de Divaldo Franco, assim nos esclarece: “A construção material, por mais complexa que seja é possível de ser erguida com certa facilidade. A de natureza moral, demanda tempo, exige tenacidade, começos e recomeços até se tornar sólida, resistente a qualquer devastação”
Eis então o sentido máximo da reencarnação: a oportunidade de viver experiências, situações e contextos que nos ajudarão, no fio do tempo, nas sucessivas existências a pinçar esta imanência divina em nós. Temos tempo, porém a decisão de elaborar um psiquismo melhor, mais afetivo, mais iluminado, como diz a benfeitora, pede tenacidade. Por isso Sócrates já nos convocava a coragem de conhecer a nós mesmos, não apenas a feição primitiva, animalizada a ser superada nas lutas redentoras que as reencarnações nos inscreve, mas, e sobretudo, conhecer Deus em nós, fazer emergir o Poema Divino ao nível de nossa Consciência. Expressar a nossa filiação divina.
A culpa, portanto, está relacionada a nossa condição de filhos de Deus. É exatamente porque somos todos um projeto de felicidade, um vir a ser iluminado em potência, exatamente porque Deus é em gérmem dentro de nós, que as peias da culpa se instalam em nossas matrizes psíquicas quando incorremos em condutas estanques às Leis Divinas, provocando transtornos psicológicos e fixando complexos autodestrutivos que vão se manifestar em nossa forma de estar no mundo, nas nossas relações, mesmo que de forma inconsciente. A culpa é um peso que se arrasta e inutilmente nos impede de avançar.
Pode ser que as marcas psicológicas do erro tenham suas raízes em reencarnação passada, quando as leis humanas não alcançaram nossos delitos ou mesmo a conduta criminosa perante as leis divinas nem fosse considerada delito pelos homens, a exemplo do rapaz com quem pudemos dialogar, ele na condição de espírito desencarnado, que em tempos medievais, deixou uma alma querida sua morrer em frio calabouço sob a pífia acusação de traição política.
Socialmente justificado, porém espiritualmente marcado. O olhar desesperado da jovem para ele, jogada injustamente em fétida masmorra para morrer esquecida, ficou marcado nas fímbrias do seu Ser Espiritual, e não havia paz a ser conquistada sem antes encarar novamente aqueles olhos e se redimir. Mas faltava-lhe coragem. A culpa, meus amigos, é, então, uma percepção do erro sem a necessária coragem para recompor, reparar. Vejamos como Joanna de Angelis nos explica esse fenômeno:
“A culpa surge como forma de catarse necessária para a libertação de conflitos. Encontra-se insculpida nos alicerces do espírito e manifesta-se em expressão consciente ou através de complexos mecanismos de auto- punição inconsciente. Suas raízes podem estar fixadas no pretérito – erros e crimes ocultos que não foram justiçados – ou em passado próximo, nas ações da extravagância e da delinquência. Geradora de graves distúrbios, a culpa deve ser liberada a fim de que os seus danos desapareçam…”
Quando fixado na culpa, nosso espírito fica estacionário, porque fecham-se as nascentes da esperança sobre nós mesmos, desenvolve-se uma mais valia claudicante e passos vacilantes, nos envolvemos em relações autodestrutivas, com pessoas adoecidas, funcionamos afetivamente de forma punitva, como se presos por largo fardo moral. Não raro, desenvolvemos o transtorno afetivo da depressão, da síndrome de pânico ou outros males físicos que expressam o impulso da autoflagelação. Vozes internas nos oprimem à descrença e à falta de fé em nós mesmos e assim não buscamos melhorar profissionalmente, por exemplo, não mobilizamos forças para estudar, nos permitimos permanecer em relações asfixiantes e, inclusive, asfixiando os outros.
Nada de bom a culpa pode trazer pelo fato de cristalizar o mal, de perpetuar em nós a ação nefasta do pretérito. Necessário, portanto, fazer o movimento psicológico de liberação da culpa, mobilizando o auto amor e a auto aceitação. Eis que o conhecer-se a si mesmo novamente se faz o intrumental precípuo. Se é verdade que ainda há muita noite em nós, é também verdade que o Amor Divino também é semente em nossa genética espiritual.
É preciso mobilizar a coragem do arrependimento. Arrepender-se é tomar consciência do erro e traçar uma meta de reparação, de reconstrução. Em outras palavras, avançar, mesmo que em terras inóspitas. Lembrar, sobretudo, que o trabalho é uma excelente e dinâmica forma de redenção, de recontrução. Reparar o erro nem sempre implica em permitir-se ao açoite em circunstâncias de dor. Isto está mais para a patologia destrutiva da punição do que para reparação. Reparar e reconstruir, eis o desafio.
Portanto é fundamental se implicar no serviço do Bem, onde você estiver. Retirar, com esforço próprio, os calhaus do caminho e plantar flores. Há um silencioso e insistente convite de Deus para nós. Ele nos convida a fazer jardins. Para ser jardineiros, porém, Deus nos convoca a ver a Beleza primeiramente em nós. Se ficarmos fixados em nossos entulhos mentais, com que condições veremos as pequenas margaridinhas que insistem em florescer nos terrenos mais áridos? Francisco de Assis, aquele que conversava com as cotovias, de forma acertada nos alertou que era preciso construir o céu dentro de nós.
Então façamos jardins íntimos. Já imaginou céu sem flores em abundância? Toda nossa existência é uma oportunidade de jardinar. Arregace as mangas, meu amigo, sem medo, sem peias, sem olhar para a retaguarda. A matéria prima é o momento presente, este que já se esvai. O passado já passou e o futuro depende da coragem de agora.Sem olhar mais para o passado, libera-te da culpa e semeia jardins, retira as pedras e planta novas sementes. Esta, em essência, é a razão de estarmos todos aqui.
Nane Mendonça
Referências:
Amélia Rodrigues/Divaldo Franco. Livro: Trigo de Deus. Editora Leal.
Joanna de Angelis/Divaldo Franco. Livro: Momentos de Meditação. Editora Leal.
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